É preciso uma crise?



É preciso uma crise?


Aparentemente é preciso passar por sérias dificuldades para que se comecem a adoptar comportamentos mais racionais. Quando a economia cresce os governos desperdiçam. Se há mais clientes, as empresas negligenciam as questões de produtividade e os mercados em que se inserem. Com bolsas em alta os investidores deixam levar-se pela ganância e compra-se de tudo porque é “certo” que vai dar bom lucro. As famílias compram o que não podem e, pior, o que não precisam. Tudo está bem e somos imortais. Perde-se o foco e as estratégias são difusas. Não se definem prioridades.

Ultimamente já tem sido possível observar que há alguma convergência para a racionalidade. Muitas famílias já fazem contas antes de comprar e de se endividar. As empresas elaboram orçamentos mais rigorosos e tentam perceber como conquistar os clientes e tirar o melhor dos recursos que já dispõem. Mesmo a nível da despesa pública a discussão sobe de tom. Discutem-se os projectos, o seu valor, pertinência e seu custo. Sente-se que "a manta está mais curta".

E é realmente pena que seja necessário passar por dificuldades para se ter uma abordagem racional, pró-activa e transformadora. As crises têm esta função essencial - trazem-nos de volta à realidade e obrigam todos a fazer mais e melhor, mas por uma questão de sobrevivência. São a válvula de escape do crescimento e potenciam o desenvolvimento sustentado. Há que encarar as crises com normalidade, mas com empenho.

É também por isso que se pode confiar que esta crise acabará por ficar para trás.

Mas cada um pode decidir se fica mais forte ou mais fraco.

Filipe Garcia

Artigo publicado no jornal Meia Hora em 20 de Novembro de 2008


Publicada porUlf à(s) 01:33  

3 comentários:

Anónimo disse... 20 de novembro de 2008 às 11:10  

Ora bem, caríssimo Filipe!

Como sabes, não tenho qualquer formação em economia e gestão. O que tenho para dizer vem, basicamente, da minha necessidade de entender o que se passa por estes dias.

Então, começava o meu comentário com uma pergunta: Uma grande parte da economia não se assenta na compra de coisas que não necessitamos? Aliás, parece me que onde existe uma maior troca e fluência de dinheiro, passa-se exactamente em produtos ou serviços deste género. ou não?

Max

Anónimo disse... 21 de novembro de 2008 às 16:17  

À partida se as pessoas compram é pq sentem a necessidade. A Ana Paula Cruz poderá ajudar a explicar, mas há necessidades que partem de ti próprio, outras são induzidas e outras ainda situam-se em pontos mais intermédios.

Concordo contigo no sentido em que há muitas compras impulsivas e, talvez pior, feitas por motivos aspiracionais.

Deixo-te uma provocação: necessitamos de vinho? ou pelo menos de vinho tão elaborado/sofisticado, etc?

Anónimo disse... 24 de novembro de 2008 às 04:16  

A questão é essa Filipe. Se formos por uma questão de necessidade, e de tentarmos reduzir investimentos pesoais ou empresariais às nossas necessidades básicas, nota-se que existe uma exurbitância gasta todos os dias em tudo o que consumimos.

Precisamos de vinho? Não. Precisamos de coca-cola, ou qualquer outra bebida que não a água? Não! O vinho surge como uma bebida estável e subsituto da água. O pior que pode acontecer ao beber um vinho "fora do prazo" é que ela te saiba a vinagre. Mesmo assim pode servir de conservante para outros produtos vegetais ou para condicionar a tua salada.

Precisamos de automóveis? Depende para o que é necessário.

Se formos por aquilo que fectivamente precisamos, quase tudo é dispensável. Pagamos por tanta coisa que não nos faz qualquer diferença. Pagamos cada vez mais por coisas que antes eram gratuítas. Não é difícil criar "valor acrescentado" a algo quando nos basíamos na ignorância do consumidor final.

E é isto: quando mais pensamos que estamos a enganar, mais nos estamos a enganar a nós próprios.

depois continuo a comentar

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